10/08/2021 às 00:07 Devaneios Arte, cultura e sociedade

A nostalgia da infância combatida pelo capital.

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Eu sempre fui uma pessoa muito nostálgica. Nostálgica do tipo que lembra até dos cheiros da infância. Do xampu de Melancia L’Oreal Kids, do cheiro de sertão na época do caju, do gosto do tamarindo na casa da tia, do cheiro da casa da vó, do cheiro da casa do vô… A sensação de tomar banho de piscina na casa do vô, o cheiro que eu sentia quando chegava na casa dos dindos pra brincar, nas férias, com aquela que hoje é minha irmã.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Confesso, com tristeza, que olho de forma um pouco desesperançosa para como a infância, muitas vezes, se desenvolve nos dias de hoje. Não bastasse um excesso absurdo e muito precoce de contato com as telas, os diversos tipos de telas que temos, há também uma privação do externo, da vivência e das tradicionais brincadeiras, em decorrência da pandemia (ouso dizer genocídio) ainda em vigência. Relembro a minha própria infância e me pergunto como os meus filhos poderão crescer nesse mundo.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Estava pelo Instagram quando me deparei com essas ilustrações belíssimas do Moesio Fiuza. Conheci o Moesio em um dos meus estágios em agência, e que alegria foi redescobrir seu trabalho através dessas lindas representações de uma infância que, para muitos, jamais será real. Vivemos em um mundo repleto de privações. Em um país que se diz cheio de liberdade e, no entanto, nos cerca de limites, físicos e psicológicos. Não bastasse o medo da violência e da doença, assistimos de pertinho o crescimento da pobreza, da miséria e da fome.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Quantas crianças será que ainda podem e sabem brincar de amarelinha? De telefone sem fio? De bambolê? Quantas têm acesso a livros para instigar a imaginação? Quantas deixaram de ir à escola por terem que escolher entre pedir dinheiro nos sinais ou estudar? Eu pude, e me entristeço profundamente por cada criança que nunca teve ou que perdeu o acesso à educação e à uma infância de brincadeiras saudáveis.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Não poupo palavras ao dizer que nada é por acaso, que é tudo parte de um grande projeto do capitalismo em busca da manutenção de um mundo com concentração de renda e com pobres permanecendo na linha de pobreza, dispostos a trabalhar por qualquer salário, por qualquer migalha, por qualquer coisa que, na falácia da meritocracia, pareça uma oportunidade pra mudar de vida. Nunca é. Não é isso que o capital quer. A filha da empregada não pode ter acesso a educação, se não ela pode se tornar advogada e não vai querer servir a filha da patroa.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Criança de pobre não pode ter imaginação pra não sonhar em mudar de vida. Pra não sonhar com um mundo com igualdade social, e lutar por ele, como hoje nós fazemos. Nós, sim, já que cresci e moro, até hoje, orgulhosamente na periferia. E foi aqui que eu tive a alegria de poder brincar de elástico, bila, bola, pega pega, esconde esconde, carimba e tantas outras coisas com minhas amigas e vizinhas. Foi aqui que eu caí, arranquei o chaboque do joelho e aprendi a levantar. Foi aqui que eu aprendi a ganhar e a perder num jogo, compreendi o que é empatia e reconheci que no mundo há mais injustiça que justiça social. Foi aqui que eu fiz tudo o que essas crianças das ilustrações fazem, e que tantas não puderam, não podem e não poderão fazer.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Não invejo quem teve tudo quando criança. Nunca me faltou nada que não fosse essencial, e tive o suficiente para crescer humana, orgulhosamente saudosa da infância que tive, e muito disposta a lutar para que toda criança tenha tanta alegria quanto eu pude ter.

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

Ilustração: Moesio Fiuza (@moesio_ilustra)

10 Ago 2021

A nostalgia da infância combatida pelo capital.

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