14/07/2020 às 01:10 Fotografia Arte, cultura e sociedade

O corpo documentado.

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Não existem corpos perfeitos. Isso precisa ser gritado aos quatro ventos, cada vez mais, para que se tenha consciência disso. Corpos sem celulite, sem rugas, sem estrias são irreais e, no entanto, a perspectiva de não tê-los nos assombra diariamente. Em uma sociedade hiperconectada, é cada vez mais difícil fugir dessa pressão. Temos musas da perfeição física na palma da mão. Corpos glorificados no feed do Instagram, beleza filtrada e previamente selecionada para receber seu like. É tempo de resistir.

Com senso de realidade deturpado, nos mantemos comprometidas com estereótipos. Buscamos ainda reforçar a existência da mulher perfeita. E, acredite, é incrível quando você descobre que ela simplesmente não existe. Apesar da constante e incansável insistência da industria cultural em reforçar uma beleza onírica e surreal, temos pequenas brechas nessa cortina que nos permitem ver que a realidade é belíssima especialmente por ser imperfeita. As brechas vem, diariamente, através da Anitta admitindo que aceitou suas celulites, da selfie da Madonna sem maquiagem, das estrias da Isabeli Fontana, de fotógrafos como Paolo Roversi, da Dior, que afirma que “os fotógrafos de hoje parecem buscar um senso de realidade que não me atrai” e fotografa apenas com filme Polaroid e uma câmera de grande formato, e é contra retoques que buscam criar mulheres perfeitas.

Estamos, finalmente, levantando nossa voz para dizermos que nos amamos como somos. Aliás, estamos finalmente percebendo que merecemos muito amor exatamente como somos. Somos vaidosas, claro, gostamos de nos sentir bem. Mas é maravilhoso - demais! - finalmente ter essa sensação de que o impossível não é mais o objetivo quando vamos à academia, quando nos alimentamos de maneira saudável ou fazemos uma limpeza de pele.

Durante muito tempo, lutei contra as minhas próprias "imperfeições". Contra a minha própria realidade. Buscava inúmeras formas de destituir meu corpo das estrias que marcaram na pele o meu crescimento acelerado em um curto espaço de tempo, e que me acompanham desde a adolescência. Até racionalizar que toda a minha angustia em relação às minhas estrias era apenas o resultado da imensa pressão social para que alcancemos uma perfeição mais distante que Marte, foi uma caminhada longa. E essa foi uma compreensão que eu devo à minha profissão: a fotografia. 

Como muitas fotógrafas, iniciei a carreira sonhando com uma fotografia de moda digna das capas da Vogue, com super modelos, 6 camadas de maquiagem, flashes caros, estúdios super produzidos e finalizadas com muuuito Photoshop. Isso até conhecer o verdadeiro potencial dos retratos femininos e me questionar: porque eu preciso criar imagens intocáveis, inalcançáveis, quando eu posso alimentar a sensualidade crua que cada mulher carrega dentro de si?

Optei por trazer para a minha fotografia, sejam os retratos femininos (inclusa aqui a fase da gestação), os retratos de casais ou fotografias de moda, a base da fotografia documental, unindo a técnica a um olhar atencioso, comprometido e quase investigativo para trazer os aspectos reais e humanos à delicadeza do olhar. O principal objetivo é registrar os sentimentos e contar histórias com precisão e veracidade. Sem manipulação de imagem, sem construir uma perfeição inexistente. É claro que, aqui e ali, há a necessidade de excluir um elemento da imagem, corrigir elementos técnicos, mas jamais uma ruga, uma estria, uma celulite, uma gordurinha. O cabelo será mostrado como ele é, os olhos terão a cor verdadeira, assim como a pele e o sorriso. 

Curvas reais, formas reais, e a beleza crua trazida à tona e valorizada tanto quanto o momento a ser relembrado. Tudo registrado exatamente como é. O amor próprio é, finalmente, a nova grande tendência.

14 Jul 2020

O corpo documentado.

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