06/03/2021 às 15:02 Devaneios

Sobre empreender nos dias de hoje.

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Estou de quarentena. Isolada em meu quarto há 4 dias, sob suspeita de COVID-19 por conta de um resfriado, e ainda aguardando o resultado do exame (para alguém ansiosa como eu, um suplício essa espera). Decidi assistir, então, a tão falada minissérie com Octavia Spencer "A Vida e a História de Madam C.J Walker". É a história de uma verdadeira guerreira. Se hoje, ser mulher e empreender é difícil, não posso imaginar como foi para uma mulher pobre e negra começar seu próprio negócio no início dos anos 1900.

Essa série, sua história, sua luta, me fez pensar o que é, afinal, empreender hoje em dia. Não posso falar pelos outros, mas posso por mim. Não é fácil. Muita gente considera "empreender" como ter uma loja física, ter um e-commerce, vender algum produto físico ou virtual, mas que haja uma entrega para o cliente final que se resuma a uma venda. Considero bem mais que isso. Descobri que queria empreender da maneira mais difícil: odiando cada emprego que eu tive. Não precisei lavar roupas como Madam C.J Walker - e, por favor, longe de mim me comparar a ela -, mas odiava muitas das minhas funções em empresas. Eu queria mais, e via que onde estava, jamais seria possível conseguir. Foram quase 10 anos em busca de uma felicidade que eu não conseguia encontrar. Tive que passar por duas situações que considero terríveis pra me convencer de que um emprego CLT não era pra mim.

A primeira delas foi quando fui selecionada numa entrevista para ser redatora. A empresa era estranha. A atmosfera era estranha. Sabe quando você sente que o astral do lugar não é bom? Pois bem, foi isso que aconteceu. E tudo piorou no dia em que fui só pra ficar observando as outras pessoas trabalhando. Pasmem: todas as histórias que eu ouvi sobre o dono, eram as piores possíveis. Demitiu mulher grávida, gritou com fulano, esculhambou cicrano, tinha uns 10 processos trabalhistas nas costas. O fato é que alguma coisa, ou muitas coisas muito fortes, me diziam pra não ficar ali. Ouvi meu instinto e fui comunicar, no primeiro dia de trabalho, que não gostaria de trabalhar ali. Acreditem ou não, foi como cutucar um dragão. Saí da empresa chorando e sob ameaças. O dono levantou a voz, disse que isso não ficaria assim, que "o mundo dá voltas, Aline" e "você me paga". Chorei o caminho todo até em casa, chorei o dia todo. Me senti humilhada, desrespeitada, destratada e muitas outras coisas que nem sei como descrever. Me perguntei muitas vezes se ele teria feito o mesmo se eu fosse homem. Foi nesse dia que eu pensei, pela primeira vez, que meu papel no mundo era construir algo por conta própria e com pessoas que pensassem mais como eu.

O segundo - e último alerta - não vou relatar por aqui. Digamos apenas que foi uma experiência que me convenceu que eu podia fazer algo por mim que nenhuma gigante do mercado podia. Foi quando decidi empreender na fotografia, em 2018, e na moda. Sim, ser autônoma é empreender. Sou contabilidade, sou marketing, sou RH. Se já pensei em desistir? Inúmeras vezes já tentaram me convencer a desistir. Já passei, também na fotografia, por situações que me fizeram repensar, sim. Por exemplo, um cliente que me procurou para um shooting de moda e já chegou dizendo "você é fotógrafa, mas bem que poderia ser a modelo também". Foi outra vez em que me perguntei: e se eu fosse homem, ele teria essa ousadia? Bem, coisas assim nunca conseguiram, e nem vão me fazer desistir.

Além de fotógrafa, faço parte da equipe Modaparamim. Uma empresa que condiz com tudo aquilo que penso e defendo. Feminista, que busca impulsionar e empoderar cada mulher. Aqui, fotografo, escrevo, crio, viajo e tenho uma amiga como parceira de trabalho. A cada texto para o Modaparamim, a cada fotografia que crio, a cada retrato, me convenço mais e mais de que esse é o meu caminho. De que esse é o caminho que tenho para tocar um pouco a vida das outras pessoas, das outras mulheres.

E vim aqui hoje, inspirada por Madam C.J Walker, apenas pra dizer: não desista do seu sonho, mulher. Ele pode ser pequeno ou pode ser gigante, mas sonhe e corra atrás. Vão existir obstáculos, vão existir pessoas tentando de tirar do seu caminho, mas se o seu sonho for real, você não vai deixar de trilhar essa sua jornada por nada no mundo. Empreender, sendo mulher, hoje, mais que tudo é sonhar. E são tempos difíceis para os sonhadores, como dito no filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Mas não são tempos impossíveis. Precisamos manter nossos sonhos vivos e correr atrás deles como se não houvesse amanhã. Empreender e ser mulher, em 2021, é isso. Colocar um pé na frente do outro sem nunca desistir quando tropeçamos ou esbarramos em um poste. Me recomponho e sigo em frente sabendo que tem muitas outras mulheres segurando minha mão nessa jornada. A gente ainda não sabe até onde nosso sonho pode chegar, mas com certeza vai ser incrível descobrir.

06 Mar 2021

Sobre empreender nos dias de hoje.

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